A recente decisão proferida pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP) trouxe à tona importantes reflexões sobre a aplicação da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) no contexto jurídico brasileiro. O caso em questão envolveu a seguradora Prudential, que havia sido condenada em primeira instância ao pagamento de R$ 10 mil por dano moral em decorrência de um vazamento de dados. No entanto, a 25ª Câmara de Direito Privado do TJ-SP reverteu essa decisão de forma unânime, ressaltando pontos cruciais que merecem análise e discussão.
A decisão, proferida no dia 10 de agosto, assume especial relevância devido à ausência de jurisprudência consolidada sobre como a LGPD deve ser aplicada em casos de vazamento de dados. A LGPD, que entrou em vigor em 2018, trouxe consigo um arcabouço jurídico mais robusto para a proteção dos dados pessoais dos cidadãos brasileiros. No entanto, a interpretação de suas disposições e a definição de responsabilidades ainda são temas que suscitam debates nos tribunais.
Um dos pontos centrais da decisão do TJ-SP foi a análise do conceito de “dados sensíveis” estabelecido no artigo 5º da LGPD. O relator do caso, desembargador Antonio de Almeida Sampaio, ressaltou que os dados vazados não se enquadravam nessa definição legal. Isso porque os dados sensíveis, segundo a LGPD, incluem informações como origem racial ou étnica, convicções religiosas, opiniões políticas, entre outras, que não estavam em questão no caso em análise.
A decisão também destacou que não houve responsabilidade da seguradora pelos fatos ocorridos. O relator enfatizou que a exposição dos dados não foi resultado de negligência ou má organização por parte da empresa, mas sim de um ato criminoso perpetrado por terceiros. Essa distinção é fundamental para a compreensão da responsabilidade das empresas em casos de vazamento de dados, uma vez que a LGPD exige que a empresa seja culpada ou tenha agido com negligência para que seja responsabilizada.
Além disso, o tribunal considerou a falta de comprovação de dano efetivo ao autor do processo. O desembargador Sampaio ressaltou que o autor não sofreu prejuízo em decorrência do vazamento de dados, afastando, assim, a condenação por dano moral. Isso levanta a importante questão de quando e em que circunstâncias a mera exposição de dados pessoais deve ser considerada como causadora de dano moral.
A advogada Thais Arza Monteiro, que representou a Prudential no caso, argumentou de forma convincente que a ocorrência de um incidente de dados por si só não gera dano moral. Ela ressaltou a importância da aplicação da LGPD nesses casos e a necessidade de se provar a culpa da empresa no vazamento de dados. Também foi destacado que os dados vazados não eram os mesmos utilizados pelos golpistas, o que evidencia a complexidade de estabelecer uma relação direta entre o incidente e os danos alegados.
O TJ-SP, ao considerar que os dados vazados não eram sensíveis e ao afastar o dano moral presumido, alinhou sua decisão com um precedente do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Essa harmonização da jurisprudência é um passo importante para a construção de um entendimento sólido sobre como a LGPD deve ser aplicada em casos semelhantes.
A decisão do TJ-SP traz à tona uma série de questões relevantes no campo da proteção de dados e da responsabilidade das empresas em relação aos vazamentos de informações pessoais. Ela destaca a importância de uma análise criteriosa dos elementos constitutivos de um caso, a aplicação precisa da LGPD e a necessidade de se comprovar a culpa da empresa para que esta seja responsabilizada. Essa decisão contribui para o desenvolvimento de uma jurisprudência consistente e esclarecedora sobre as nuances da LGPD e sua aplicação no contexto brasileiro.