Através do Clube Social de Leitura, a ONG Livres Livros leva literatura para dentro dos lares. Mais de 260 leitores são impactados pela iniciativa.
Com apenas nove anos, Maria Eduarda Santhana, a Duda, atrai olhares em eventos e conquista seguidores nas redes sociais fazendo algo pouco comum para a idade: atuar e recitar poemas. Sua realidade financeira nem sempre favoreceu a paixão pelas poesias e livros. No entanto, com o suporte da mãe e da ONG Livre Livros, através de seu Clube de Social Leitura, a garota consegue contornar as dificuldades em busca de novas perspectivas e da realização de seus sonhos.
A imersão da menina no universo dos versos e letras aconteceu quando ela e a mãe vieram de Macaé para Salvador, mudança que possibilitou a descoberta e consequente participação de Duda no projeto da Livre Livros, que entrega kits literários nas casas de famílias em situação de vulnerabilidade social todos os meses. Após anos de participação, ela enfatiza o quanto a iniciativa é capaz de mudar trajetórias.
“A literatura traz conhecimento, o conhecimento traz educação e a educação abre portas para novos caminhos e lugares inimagináveis”, diz Duda.
Com os kits literários fornecidos pelo clube, além das inspirações trazidas por diversas obras, o hábito de ler ainda tem ajudado no desempenho escolar da garota. Segundo Carla Santhana, mãe da pequena declamadora, os professores destacam com frequência os impactos positivos.
“Recebo elogios de que é uma ótima aluna, muito comunicativa e que interage bastante. Volta e meia pedem para ela fazer leitura em voz alta na sala”, comenta Carla.
O impacto da leitura no desenvolvimento humano
No Dia Nacional da Leitura, comemorado em 12 de outubro, iniciativas como a Livres Livros reforçam a importância da literatura para o desenvolvimento humano e social. A partir da atuação dentro e fora da Bahia, a iniciativa mantém mais de 260 leitores adotados. Conforme pesquisa anual aplicada entre os contemplados, a cada 1 livro disponibilizado via clube social de leitura, pelo menos 7 pessoas são impactadas ao redor do beneficiado. Isso porque familiares e vizinhos também passam a ter acesso de graça aos exemplares. Ao fim de um ano, a criança ou adolescente adotado pelo projeto tem uma minibiblioteca em casa, e os impactos disso são imensuráveis.
Esse movimento só é possível graças aos chamados investidores-anjo, que custeiam os kits e o envio aos lares via assinatura.
“Essa troca gera efeitos tanto na realidade de crianças, jovens e adultos, quanto na vida daqueles que se dispõem a transformá-la com seu apoio financeiro”, afirma Raíssa Martins, escritora, empreendedora e fundadora da Livre Livros.
Desafios no acesso à leitura
De acordo com levantamento realizado pela Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (Atricon), com base nos dados do Censo Escolar de 2022, mais da metade (52%) dos alunos matriculados em escolas públicas de ensino infantil, fundamental e médio estudam em unidades sem bibliotecas. Esse percentual corresponde a mais de 18 milhões de crianças e adolescentes sem acesso aos espaços de leitura no país.
Para a escritora Raíssa, fora esse obstáculo, as famílias empobrecidas encaram duas grandes barreiras: cultural e financeira.
“Não há o hábito de ler e de ter livros em casa nas famílias menos favorecidas. Isso é algo enraizado, perpetuado, que não faz parte da vida deles. Outra questão é que, por mais que sejam baratos, já que existem ofertas em sebos, é um tipo de gasto que pesa muito no orçamento de pessoas que já têm muito pouco dinheiro para sobreviver”, avalia Raíssa.
Em meio às dificuldades enfrentadas, o clube social serve de agente de inclusão, mobilidade social e ampliação da educação.
“Através das minibibliotecas instaladas nas ruas e do clube de leitura, colocamos os livros no caminho das pessoas e dentro de suas residências. Batemos literalmente na porta e entregamos. A nossa sede ainda possui um sebinho com vários exemplares e preços acessíveis. Essas oportunidades permitem que aqueles com poucos recursos se sintam importantes, tenham conhecimento e adquiram bagagem para desenvolvimento pessoal e profissional”, ressalta Raíssa.
Terapia por meio da literatura
Assim como Duda, Hartur Barbosa é um dos contemplados pelo projeto. Entre os títulos infantojuvenis, o menino de sete anos encontrou distração para amenizar os tempos de internação e tratamento de um câncer. Durante os nove meses de quimioterapia, ele e sua mãe conheceram o projeto no Hospital Santa Isabel, por meio de dois contadores voluntários.
Hirlandia Pereira, mãe de Hartur e Alanna Sofia, lembra que os filhos só sabiam de histórias assistindo televisão ou no celular, pois a morada em uma cidade pequena dificultava as idas em bibliotecas. Foi o período no hospital que deu início à aproximação com os livros.
“Hartur ouvia todas as histórias e ainda pedia que fossem repetidas. Quando os voluntários terminavam, inclusive as apresentadas em outras alas, tinham que mostrá-las novamente. Nesse processo, eles sempre acabavam deixando um livro”, recorda Hirlandia.
Atualmente, tanto o garoto quanto sua irmã recebem os kits literários em casa, na zona rural de Ibicoara, situada na Chapada Diamantina.
“As crianças ficam na expectativa da chegada. Este ano ele aprendeu a ler e pode mergulhar ainda mais no universo das letras”, celebra Hirlandia.
Esse projeto é um verdadeiro farol de esperança, democratizando o acesso à leitura e transformando vidas, como a de Duda e Hartur, que encontraram na literatura um caminho para novos horizontes, mesmo em meio a tantas adversidades.