Uma nova peça no universo de “As Estações”
O romance Inverno (e-Galáxia, 178 páginas), de Veronica Botelho, é o segundo título da série As Estações, que começou com Verão em 2023. Embora sejam histórias independentes, os livros compartilham um universo narrativo rico, onde personagens e temas entrelaçados criam conexões profundas.
“Mais uma vez, Veronica conseguiu escrever uma história com a dose certa de mistério e intrigas para nos fazer ficar completamente ligados ao andamento da narrativa”, comenta Tamlyn Ghannam, influenciadora literária, na contracapa da obra.
O ponto central de Inverno é Isabel, uma mulher que busca sua identidade em um cenário marcado por tensões raciais e familiares. Criada em um ambiente predominantemente branco, ela enfrenta o racismo que permeia desde sua criação até as relações cotidianas.
Isabel: Entre a solidão e a redescoberta de si mesma
Isabel cresceu em Maceió (AL), no seio da família materna, sendo educada por sua mãe, Madalena, e sua avó, que condicionava o afeto à cor da neta. Sem informações claras sobre seu pai, Isabel acreditava no relato de abandono paterno sustentado pela avó racista.
Essa narrativa começa a desmoronar quando ela descobre cartas deixadas pelo pai, Renato, que apresentam uma versão diferente de sua história. A partir dessa revelação, Isabel embarca em uma jornada emocional e geográfica que a leva de Aracaju (SE) à Itália, passando por um reencontro com sua ancestralidade e a aproximação com sua tia Clotilde.
Na Itália, Isabel divide seu tempo com Rebecca, a protagonista de Verão, que desempenha um papel crucial no processo de autodescoberta da amiga. Além disso, Isabel enfrenta os desafios de compreender sua sexualidade, envolvendo-se em uma relação complexa com Regina, que afeta seu amadurecimento.
“Por vezes, a solidão é o principal antagonista de Isabel”, reflete Veronica Botelho, ao abordar a dificuldade da personagem em se expressar e entender seus sentimentos.
O racismo nas relações familiares
Em Inverno, o racismo é mais do que um pano de fundo; é um fio condutor da narrativa. As experiências de Isabel com sua avó ilustram as tensões e silêncios que permeiam muitas famílias inter-raciais no Brasil.
A psicóloga social Lia Vainer Schucman, especialista em estudos de branquitude, pontua que o preconceito nas famílias inter-raciais reflete a ideologia do embranquecimento, que valoriza o branco como superior e hierarquiza os indivíduos negros dentro do núcleo familiar.
Essas dinâmicas aparecem na obra em pequenos detalhes, como a forma com que a avó de Isabel tenta “justificar” seu afeto pela neta ou como Madalena, sua mãe, às vezes defende a postura racista da própria mãe.
Veronica Botelho: De psicóloga a escritora
Natural de Floriano, no Piauí, Veronica Botelho traz para sua escrita uma bagagem cultural e acadêmica diversa. Formada em Psicologia Social e das Organizações pela Universidade de Florença, atualmente cursa mestrado em Psicologia e Neurociência da Saúde Mental no King’s College London.
Seu primeiro livro, Meias Verdades (2016), é uma coletânea de crônicas sobre amor, tempo, racismo e ética política. Em entrevista, Veronica destaca como sua formação acadêmica influencia sua escrita:
“O que escrevia, estudava, tinha um único intuito: como podemos conviver pacificamente aceitando as nossas diferenças”, explica a autora.
Vivendo em países como Brasil, Inglaterra, Bolívia, Espanha e Itália, Veronica desenvolveu um olhar sensível sobre as complexidades das relações humanas. Essa vivência é refletida em suas obras, especialmente na tetralogia As Estações.
Escrevendo “Inverno” no calor do verão
Veronica revela que a escrita de Inverno foi quase um contraponto à criação de Verão. Enquanto o primeiro livro foi escrito durante um inverno na Catalunha, Inverno foi desenvolvido no verão da mesma região.
“Entrava em estado de flow. Aquele hic et nunc onde os insights surgem, se interconectam, e a arte nasce”, conta a autora sobre seu processo criativo.
Inspirada por nomes como Clarice Lispector, Toni Morrison e Maya Angelou, Veronica combina influências literárias diversas para criar narrativas intimistas e reflexivas.
O florescer de Isabel em “Inverno”
Com uma narrativa não linear, Inverno transita por diferentes tempos e espaços, explorando como as relações familiares, de amizade e amor moldam a identidade de Isabel.
“Naquele instante, Isabel se viu como o piso da sua avó, os tecidos da sua tia, e aquele vaso de Florença: pedaços de muitos lugares, algumas cicatrizes que eram apenas marcas que a tinham feito mais forte, e outras que se abriam em carne viva”, diz um trecho do livro, capturando a complexidade emocional da personagem.
Para Veronica, o passado e as conexões interpessoais são elementos essenciais na construção do presente. Isabel precisa se libertar das expectativas e narrativas que os outros impuseram para finalmente encontrar seu próprio caminho.
Onde adquirir o livro
Inverno está disponível no site da editora e-Galáxia.
Se você busca uma leitura que combina reflexões profundas sobre identidade, racismo e relações humanas com uma narrativa cativante, Inverno é uma escolha imperdível.