Proposta polêmica chega à Comissão de Constituição e Justiça
Nesta terça-feira (19), a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJC) da Câmara dos Deputados discute a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 164/12, conhecida popularmente como “PEC do Estuprador”. A proposta sugere uma mudança no Artigo 5º da Constituição Federal para incluir a expressão “desde a concepção” na garantia do direito à vida. Se aprovada, a medida concederá proteção jurídica absoluta a embriões e fetos, equiparando-os a pessoas já nascidas.
A medida é alvo de intensos debates por seus impactos diretos sobre os direitos reprodutivos no Brasil, proibindo, na prática, o aborto em qualquer circunstância, inclusive em casos de estupro, risco à vida da gestante ou anencefalia fetal. A proposta também ameaça avanços em áreas como reprodução assistida e pesquisas com células-tronco embrionárias, apontam especialistas.
Impactos da PEC: Restrições ao aborto e direitos reprodutivos
Caso a PEC seja aprovada pelo Congresso Nacional, as implicações são profundas. Hoje, o aborto no Brasil é permitido em situações específicas, como gravidez decorrente de estupro, risco de morte da gestante ou anencefalia do feto. A proposta, entretanto, eliminaria todas essas possibilidades.
Laura Molinari, integrante da campanha Nem Presa Nem Morta e coorganizadora da mobilização Criança Não É Mãe, destacou o impacto devastador da medida.
“Se aprovada, a ordem constitucional deixaria de admitir o aborto em casos de estupro – uma violência que, no Brasil, atinge principalmente meninas. Isso obrigaria vítimas a gestarem e parirem nessas condições. É cruel e desumano.”
Estatísticas de 2023 reforçam a gravidade do cenário. Segundo os dados, ocorre um estupro a cada seis minutos no país. Dentre as vítimas, 61,6% são crianças de até 13 anos, 88,2% são mulheres ou meninas e a maioria (84,7%) é atacada por familiares ou conhecidos dentro de suas próprias residências.
A ameaça à reprodução assistida e à ciência
Além dos impactos sobre os direitos das gestantes, a PEC 164/12 também ameaça práticas de fertilização in vitro e pesquisas médicas com células-tronco embrionárias. Dados do Sistema Nacional de Produção de Embriões apontam que, somente em 2023, mais de 56 mil ciclos de fertilização in vitro foram realizados no Brasil, resultando no congelamento de 115 mil embriões.
A advogada Letícia Vela, do Coletivo Feminista Sexualidade e Saúde, alerta para as consequências.
“Ao conferir direito absoluto à vida desde a concepção, a PEC pode inviabilizar a reprodução assistida, já que, nesse processo, há perda inevitável de embriões. Além disso, pesquisas com células-tronco embrionárias, fundamentais para o tratamento de doenças graves, seriam completamente proibidas.”
Técnicas como a fertilização in vitro, realizadas fora do corpo humano, exigem o congelamento e, frequentemente, o descarte de embriões inviáveis. Sob a nova regra, essas práticas seriam interpretadas como violação constitucional. Pesquisas médicas que dependem de células embrionárias, essenciais para enfrentar doenças como esclerose múltipla e distrofias musculares, também seriam inviabilizadas, impactando milhões de vidas.
Mobilizações contra a PEC: Sociedade se organiza
A proposta gerou forte oposição de movimentos sociais e organizações feministas, que acusam a medida de retrocesso nos direitos humanos. O coletivo Criança Não É Mãe, que surgiu na luta contra o PL 1904/24, intensificou sua atuação contra a PEC 164/12. Durante o final de semana, projeções com mensagens de protesto foram realizadas durante o evento G20 Social no Rio de Janeiro.
Na segunda-feira (17), um vídeo da campanha começou a ser exibido em painéis de LED em pontos estratégicos da Zona Sul do Rio, próximo ao encontro do G20. Além disso, a mobilização ganhou força na internet. Por meio do site oficial do movimento (Criança Não É Mãe), cidadãos podem enviar e-mails diretamente aos parlamentares da CCJC, pressionando pela rejeição da PEC.
A petição online da campanha também busca engajar a sociedade. Em nota divulgada no site, os organizadores destacam a importância da participação popular.
“Só uma grande mobilização pode garantir os direitos de meninas, mulheres e pessoas que gestam. Precisamos lotar as caixas de e-mail dos deputados e deputadas para barrar a PEC do Estuprador. Sua pressão é fundamental.”
Vozes contra a PEC: “Realidade cruel e desumana”
A diretora e documentarista Eliza Capai, conhecida pelo filme Incompatível com a Vida, acrescenta um olhar sensível às discussões sobre o impacto da proposta. Segundo ela, a PEC ignora a complexidade de situações enfrentadas por meninas e mulheres em gravidezes de risco.
“É muito triste encarar a verdade, mas meninas e mulheres são estupradas, engravidam e precisam de acolhimento. Gestações podem colocar a vida em risco, e obrigar uma criança a nascer órfã, ou forçar uma mulher a carregar um feto inviável, é desumano. Essa PEC transforma o sofrimento em norma.”
Capai destaca ainda que a falta de educação sexual agrava a realidade das gravidezes não planejadas, muitas vezes em contextos de violência sexual e extrema vulnerabilidade.
Os próximos passos: Decisão nas mãos do Congresso
A PEC 164/12 é mais um capítulo no debate acalorado sobre direitos reprodutivos no Brasil. Em 2023, a mobilização popular foi decisiva para barrar o avanço do PL 1904/24, apelidado de “PL do Estupro”. Agora, movimentos feministas esperam que a força da sociedade civil seja novamente capaz de conter o avanço de propostas que representam retrocessos em direitos fundamentais.
Enquanto isso, especialistas alertam para as consequências sociais e médicas de um eventual avanço da PEC. Para muitos, a proposta marca um ponto de inflexão na luta por direitos reprodutivos e proteção à vida, desafiando princípios constitucionais e os limites da ciência.
Para saber mais e participar da mobilização, acesse o site oficial da campanha: Criança Não É Mãe.