Uma Ameaça Invisível ao Ambiente de Trabalho e à Saúde Mental
Nos últimos anos, os jogos de apostas, ou “bets” como são popularmente conhecidos, se espalharam pelo Brasil com uma velocidade impressionante. Eu, particularmente, sempre achei fascinante como certas tendências ganham força rapidamente, mas, nesse caso, o lado sombrio dessa expansão é algo que merece nossa atenção. O problema não é apostar em si, afinal, todos temos a vontade de dar um toque de sorte à vida, seja num bolão da loteria ou numa aposta entre amigos. O verdadeiro perigo reside na falta de controle, que pode transformar uma diversão inocente em um vício devastador.
O Fascínio e o Perigo das Apostas
Muita gente, inclusive colegas meus, já se aventurou em apostas na esperança de ganhar dinheiro rápido. É quase irresistível a ideia de fazer um investimento pequeno e sair com uma grande bolada. No entanto, essa ilusão pode levar a um caminho escorregadio. Quando o hábito de apostar se transforma em compulsão, surge a ludopatia, um transtorno reconhecido pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
Esse transtorno, conhecido por ludopatia, afeta o cérebro de maneira semelhante ao vício em drogas. A pessoa começa a sentir uma necessidade incontrolável de apostar, acreditando que a solução para suas dificuldades financeiras se encontra em uma nova aposta. O ciclo vicioso é alimentado por essa crença irracional, onde mais perdas levam a mais apostas, gerando estresse, cansaço e, claro, um impacto direto na produtividade, seja no trabalho, seja na vida pessoal.
A Ascensão das “Bets” no Brasil
Desde 2018, quando o governo federal liberou as casas de apostas no país, a presença dessas empresas só aumentou. Os patrocínios exorbitantes no mundo dos esportes e a avalanche de propagandas nas redes sociais deixaram claro que as apostas estavam aqui para ficar. E, sinceramente, não é difícil entender o apelo: quem não gostaria de tentar a sorte e transformar alguns reais em uma quantia significativa? Eu mesmo já me peguei pensando nisso.
De acordo com uma pesquisa do Datafolha, mais de 32 milhões de brasileiros já fizeram ou ainda fazem apostas. Esses números mostram que as apostas têm uma grande abrangência, atingindo pessoas de todas as classes sociais e de diversas regiões do país. No entanto, um estudo do SBVC e AGP Pesquisas, publicado na Folha de São Paulo, revelou um dado preocupante: o fenômeno é especialmente forte entre os jovens e homens de baixa renda, com um impacto de 62% nas classes C e D/E juntas. Entre os jovens de 16 a 24 anos, 30% já apostaram, sendo 21% homens e 9% mulheres.
O brasileiro gasta, em média, R$263 por mês em apostas online. Parece pouco, mas a verdade é que muitos acabam se endividando e ficando presos em um ciclo de vício. As casas de apostas prometem grandes recompensas, e quanto maior o risco, maior é a recompensa potencial. Essa lógica é perigosa, pois incentiva os apostadores a continuarem apostando, mesmo depois de perderem dinheiro. E é aí que mora o perigo.
A Nova Legislação e Suas Consequências
Em julho de 2023, o Brasil deu um passo importante ao começar a tributar as apostas esportivas e a criar regras para esse mercado. A nova legislação estabelece uma tributação de 18% sobre a receita bruta das empresas de apostas online e obriga essas empresas a obterem autorização do governo para operar. Além disso, há uma série de regulamentações para tornar o setor mais transparente e seguro.
As regras incluem a proibição de anúncios enganosos ou voltados ao público infantil, além de impor limites claros à publicidade dessas plataformas. Na minha opinião, essas medidas são um avanço necessário para proteger os mais vulneráveis e trazer mais segurança ao setor. No entanto, o caminho ainda é longo para garantir que as apostas sejam realmente feitas de maneira responsável.
O Impacto no Empreendedorismo
Agora, quero compartilhar uma realidade que talvez muitos de vocês não conheçam. São aproximadamente 6 milhões de trabalhadores no setor de bares e restaurantes no Brasil, segundo a Abrasel. E, para minha surpresa, descobri que muitos estabelecimentos já estão percebendo uma queda na produtividade devido ao aumento das apostas entre seus funcionários.
Paulo Ricardo, dono de uma lanchonete em Natal (RN), compartilhou comigo uma preocupação crescente. “No momento do intervalo, todos ficam jogando. Vejo que isso tem feito cair o rendimento deles. Passam a madrugada jogando, perdem dinheiro, ficam adiantando vale. É um pouco disso que está acontecendo”, comentou ele. A situação descrita por Paulo é um exemplo claro de como o vício nas apostas pode afetar a vida profissional e pessoal dos trabalhadores.
Um outro empresário, Marco Antônio, dono de uma pizzaria também em Natal, enfrentou um caso extremo em seu estabelecimento. Uma funcionária, que sempre foi dedicada ao trabalho, acabou se tornando viciada em apostas e começou a pedir vales com frequência. Chegou ao ponto de ela ganhar menos da metade do que deveria no mês. Infelizmente, o vício a levou a fraudar o PDV (Ponto de Venda) e roubar a empresa. Marco Antônio, então, teve que demiti-la por justa causa.
Esses exemplos mostram como as apostas podem ter um impacto devastador nas relações de trabalho. A produtividade cai, a confiança é abalada e, em alguns casos, o vício pode até levar ao crime. É um problema complexo que afeta tanto os empregados quanto os empregadores, e encontrar soluções para lidar com essa realidade é fundamental.
Efeitos Psicológicos e Emocionais das Apostas
Não posso deixar de mencionar os efeitos emocionais e psicológicos que as apostas trazem. Além dos problemas financeiros, o estresse crônico e a ansiedade causados pelas perdas constantes corroem a saúde mental do indivíduo. Já vi pessoas próximas, que começaram apostando por diversão, se transformarem completamente ao se viciarem nesse ciclo de perdas e ganhos.
É interessante como o ato de jogar repetidamente parece ser uma busca inconsciente por controle e sucesso. No entanto, essa sensação de controle é apenas uma ilusão. Cada perda traz um sentimento de fracasso, e a tentativa de recuperar o que foi perdido acaba levando a mais apostas. Esse ciclo é perigoso e pode destruir vidas.
A compulsão por apostas não afeta apenas o indivíduo, mas também suas famílias e comunidades. Muitos trabalhadores acabam endividados, gastando o que não têm em jogos de azar, deixando de lado as necessidades básicas. No ambiente de trabalho, isso se reflete em baixa produtividade, absenteísmo e até problemas de saúde, exigindo tratamento psicológico e médico. E é o setor público que muitas vezes acaba arcando com esses custos, o que demonstra como a ludopatia é um problema que vai além do individual, se tornando uma questão de saúde pública.
Trajetória de Obsessão
Os mecanismos dos jogos de azar, incluindo as apostas esportivas, são estruturados para manter o apostador em uma trilha de compulsão. Eu vejo isso como um dos maiores perigos dessas plataformas. Quanto mais alguém aposta, mais difícil é parar. É uma espiral descendente que leva à exaustão física e mental, além de uma perda total de produtividade.
Um exemplo extremo disso foi relatado por Marco Antônio, o mesmo empresário que mencionei anteriormente. Uma de suas funcionárias, antes dedicada, começou a se perder no vício das apostas ao ponto de roubar a empresa. “Era uma funcionária que batalhava pela empresa, fazia o que era preciso. Nos últimos tempos, com o surgimento do Tigrinho [um aplicativo de apostas], ela começou a jogar e a pedir vales. Chegou ao ponto de receber menos da metade do que deveria no mês. Às vezes, pedia duas, três vezes por semana”, contou ele.
Essa situação é um exemplo claro de como o vício pode transformar uma pessoa, levando-a a cometer atos que antes seriam impensáveis. A compulsão pelas apostas afeta não apenas o indivíduo, mas também o ambiente de trabalho e as relações profissionais.
Prevenção e Intervenção no Local de Trabalho
Diante desse cenário, é crucial que os empresários estejam atentos aos sinais de vício entre seus funcionários. Paulo Ricardo e Marco Antônio enfrentaram situações difíceis, mas a verdade é que muitos outros empresários podem estar passando pelo mesmo problema sem perceber. A prevenção é sempre o melhor caminho.
Lula Fylho, empreendedor na Casa de Juja, Ateliê Gastronômico em São Luís (MA), é um exemplo de como uma abordagem proativa pode fazer a diferença. Quando ele percebeu que alguns funcionários estavam se envolvendo demais com apostas durante o expediente, decidiu agir antes que o problema se tornasse maior. Ao invés de apenas conceder vales e adiantamentos, ele acionou a psicóloga da empresa para realizar uma intervenção pontual.
A solução foi uma roda de conversas com a psicóloga, onde se discutiram temas como saúde mental, financeira e as consequências das apostas indiscriminadas. Lula Fylho conseguiu, com essa abordagem, evitar que o problema crescesse e manteve o ambiente de trabalho saudável e produtivo.
Minha Reflexão Final
Olhando para tudo isso, não posso deixar de pensar na complexidade dessa situação. As apostas podem parecer inofensivas à primeira vista, mas quando escapam do controle, elas têm o poder de devastar vidas e carreiras. A popularidade das apostas no Brasil é um fenômeno que não podemos ignorar. Enquanto governo, empresários e sociedade, todos temos um papel a desempenhar na mitigação dos impactos negativos desse hábito.
Para quem, como eu, gosta de observar as nuances da vida e das tendências sociais, fica o alerta: apostar pode ser divertido, mas é preciso cautela. O que começa como um passatempo pode se transformar em um problema sério se não for tratado com a seriedade que merece. E, como sempre, o diálogo aberto e a busca por ajuda são os primeiros passos para quem percebe que pode estar caindo nessa armadilha.
Manter um olhar vigilante e humanizado sobre o impacto das apostas nos nossos círculos pessoais e profissionais é uma responsabilidade que não podemos negligenciar. É um desafio, sim, mas acredito que, juntos, podemos encontrar um equilíbrio entre diversão e responsabilidade.