Pesquisa Clínica avança no país com Lei 14.874/2024, mas encontra desafios nos processos regulatórios

A nova lei é um marco, mas a “dupla base regulatória” ainda é uma pedra no caminho

Desde agosto de 2024, o Brasil celebra a entrada em vigor da Lei 14.874/2024, que estabelece requisitos importantes para a condução de estudos clínicos no país. É um avanço significativo para o setor de Pesquisa Clínica, pois finalmente temos uma legislação que trata diretamente da aprovação ética, do consentimento informado dos participantes e da transparência dos dados gerados por esses estudos. O objetivo principal dessa Lei é garantir a segurança dos voluntários que participam desses experimentos e assegurar que os resultados obtidos sejam confiáveis e íntegros.

Agora, com essa nova Lei em vigor, há uma sensação de dever cumprido, especialmente porque ela levou quase 10 anos para ser aprovada no Congresso. No entanto, é inegável que, apesar dessa vitória, o setor ainda enfrenta desafios consideráveis, principalmente no que diz respeito à regulamentação. Por mais que a Lei traga princípios gerais, o que falta mesmo são diretrizes claras para a sua aplicação prática. Não há como ignorar que isso tem causado uma certa insegurança para quem está à frente da condução de pesquisas clínicas no Brasil.

Fernando de Rezende Francisco, gerente executivo da ABRACRO (Associação Brasileira de Organizações Representativas de Pesquisa Clínica), é uma das vozes mais ativas na discussão sobre a situação atual da pesquisa clínica no país. Ele defende que, mesmo com a Lei sancionada, o cenário continua marcado por instabilidade, e a raiz do problema está na “dupla base regulatória” que, segundo ele, fragiliza o setor.


A “dupla base regulatória” e a falta de previsibilidade

Um dos pontos mais polêmicos levantados por Fernando de Rezende Francisco é justamente o conceito de “dupla base regulatória”. Para quem não está familiarizado com o termo, trata-se de uma abordagem onde duas fontes de regulamentação são aplicadas ao mesmo tempo. Isso significa que, na prática, você pode ter diferentes regras ou interpretações sendo aplicadas simultaneamente. O problema maior aqui é que isso gera uma enorme confusão, já que cada comitê de ética pode interpretar de forma diferente o que está ou não de acordo com a Lei.

Fernando foi claro ao afirmar que a ausência de uma regulamentação mais detalhada compromete não só a aplicação da Lei, mas também a fiscalização de seu cumprimento. E é aí que a coisa complica. As leis, como sabemos, funcionam como grandes guarda-chuvas, estabelecendo princípios e objetivos. Porém, o diabo está nos detalhes — é a regulamentação que vai definir o “como” e o “quando” as coisas devem ser feitas.

Segundo ele, há mais de 30 pontos na nova Lei que precisam de regulamentação específica para que possam ser aplicados corretamente. Enquanto essas regulamentações não forem criadas, a Lei, por mais bem-intencionada que seja, fica com a sua efetividade bastante comprometida. Fica a cargo de quem está atuando no mercado interpretar as normas vigentes e fazer o que acha que é certo, o que, convenhamos, não é o cenário ideal para nenhum setor, especialmente um tão sensível quanto o de pesquisa clínica.


Implicações para o avanço científico no Brasil

Agora, é importante lembrar que toda essa incerteza não afeta apenas as empresas e os profissionais da área de pesquisa clínica. No fim das contas, quem mais sofre com isso é a própria população, que depende diretamente dos avanços científicos para ter acesso a novas terapias e tratamentos.

Fernando traz um ponto que me parece crucial: a imprevisibilidade nas regras para o desenvolvimento científico no Brasil acaba tornando o ambiente menos atraente para novos estudos. Quando uma empresa de pesquisa ou um patrocinador internacional olha para o nosso cenário regulatório e vê que não há previsibilidade, que cada comitê pode interpretar a Lei de uma maneira, e que, no final das contas, pode demorar muito tempo para que as coisas se resolvam, a decisão mais óbvia é levar a pesquisa para outro país. Afinal, existem países com sistemas mais estáveis e regras claras, onde há maior segurança para o investimento.

Isso, para mim, é uma das maiores tragédias desse cenário. O Brasil, com sua biodiversidade única e uma população diversa, poderia ser um dos grandes protagonistas globais na pesquisa clínica. Temos potencial para liderar estudos que trariam benefícios imensuráveis para a saúde da população mundial. No entanto, sem uma regulamentação clara e eficiente, estamos ficando para trás.


Um caminho possível: Boas Práticas Regulatórias

Apesar desse cenário de incerteza, há caminhos que podem ser seguidos para melhorar a situação. Fernando cita como exemplo a ANVISA, que já utiliza o conceito de Boas Práticas Regulatórias. A adoção desse conjunto de melhores práticas visa justamente garantir a segurança, a transparência e a eficiência dos processos regulatórios. E não apenas isso: elas também promovem um diálogo mais amplo e aberto entre o governo, as empresas e a sociedade civil.

Eu acredito que essa é uma abordagem extremamente necessária. O processo regulatório não pode ser visto como uma barreira, mas como uma ponte que conecta o setor público, o privado e os cidadãos. Quando falamos de pesquisa clínica, estamos lidando diretamente com a saúde e o bem-estar das pessoas, e é por isso que a regulamentação precisa ser não só clara, mas também eficiente.

A ABRACRO, nesse sentido, tem feito um trabalho louvável. A associação se colocou à disposição do Ministério da Saúde para dialogar sobre a regulamentação da Lei 14.874/2024, e também defende que outros ministérios e organizações, como conselhos de profissionais da saúde e a indústria farmacêutica, sejam incluídos nesse diálogo. Afinal, trata-se de um esforço coletivo, onde todos têm a ganhar com um sistema mais estável e previsível.


Impacto nos pacientes e na sociedade

Por mais técnico que o assunto possa parecer, a verdade é que ele tem um impacto direto na vida dos brasileiros. Quando as pesquisas clínicas são realizadas de forma eficiente, elas abrem portas para novas terapias e tratamentos. Mas, quando o cenário regulatório é caótico e imprevisível, quem mais sofre são os pacientes, que muitas vezes ficam sem acesso a tratamentos experimentais ou inovadores.

Hoje, há uma demanda crescente por tratamentos personalizados, terapias genéticas e novas abordagens para doenças raras e complexas. O Brasil, com sua capacidade científica e tecnológica, poderia estar na vanguarda dessas inovações. No entanto, sem um ambiente regulatório estável, as empresas simplesmente preferem conduzir seus estudos em outros lugares, o que nos coloca em desvantagem.


A importância da participação social

Outro ponto que me chama atenção no discurso da ABRACRO é a ênfase na participação da sociedade civil organizada. Muitas vezes, o debate sobre regulamentação fica restrito a tecnocratas e especialistas, o que é compreensível, dado o nível de complexidade envolvido. No entanto, quando falamos de saúde, a sociedade precisa estar engajada.

Organizações de pacientes, conselhos de saúde e outros atores devem ter voz nesse processo. É fundamental que a regulamentação da Lei 14.874/2024 seja feita de forma transparente, com consultas públicas e com a participação de todos os interessados. Somente assim poderemos garantir que o setor de pesquisa clínica no Brasil se torne mais robusto e alinhado com os interesses da população.


Conclusão

É inegável que a Lei 14.874/2024 representa um avanço significativo para a pesquisa clínica no Brasil. No entanto, ainda há um longo caminho a ser percorrido. A regulamentação é essencial para que os princípios estabelecidos pela Lei sejam aplicados de forma eficiente e transparente. O desafio agora é garantir que esse processo seja conduzido com celeridade e, sobretudo, com previsibilidade.

Como Fernando de Rezende Francisco bem pontuou, a “dupla base regulatória” é um dos maiores obstáculos para o setor. Enquanto não houver clareza sobre as regras, o Brasil continuará perdendo oportunidades de se destacar no cenário global de pesquisa clínica. Mas eu acredito que, com o envolvimento de todos os setores da sociedade, é possível superar esses desafios e transformar o país em um verdadeiro polo de inovação científica.


Lista de Pontos Importantes

  1. Aprovação da Lei 14.874/2024: Marco regulatório importante para a pesquisa clínica no Brasil.
  2. Dupla Base Regulatória: Principal obstáculo para a aplicação da Lei.
  3. Falta de Previsibilidade: Dificulta o avanço científico e afasta investimentos.
  4. Boas Práticas Regulatórias: Solução possível para garantir segurança e transparência.
  5. Impacto nos Pacientes: Instabilidade regulatória prejudica o acesso a novas terapias.

Se você deseja saber mais sobre a importância da regulamentação no setor de saúde, recomendo conferir este artigo completo aqui.

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