João José Bigarella. Esse nome, para muitos, pode não soar familiar de imediato, mas, para aqueles que respiram e vivem as ciências ambientais e geológicas no Brasil, ele é praticamente uma lenda. E com razão. Bigarella foi um homem à frente de seu tempo, um pioneiro na conservação ambiental e na geologia, cujas contribuições são inestimáveis. No dia 23 de setembro, será celebrado o lançamento póstumo de seu quarto volume da obra monumental, “Estrutura e Origem das Paisagens Tropicais e Subtropicais”, uma das séries mais influentes no campo da geologia brasileira.
Esse evento, que acontecerá no Centro Politécnico da Universidade Federal do Paraná (UFPR), não é apenas uma homenagem a ele, mas também um reconhecimento do seu legado como cientista e defensor da preservação ambiental. Estamos falando de um homem que, desde a década de 1970, já pregava a importância de se preservar o meio ambiente, bem antes de o termo “sustentabilidade” se tornar popular.
O Impacto de Bigarella na Geologia e Conservação
Eu não consigo falar sobre Bigarella sem destacar sua importância na preservação da natureza no Brasil. E quando menciono isso, não estou me referindo apenas a um cientista que fez estudos profundos e complexos, mas a alguém que de fato deixou um impacto real e concreto no mundo em que vivemos. Ele foi um dos grandes responsáveis pelo tombamento da Serra do Mar, por exemplo, além de ser peça chave na consolidação do Parque de Vila Velha. Para quem nunca esteve nesses locais, recomendo fortemente a visita. Ambos são verdadeiras joias da natureza brasileira e, sem a intervenção de Bigarella, talvez não estivessem como estão hoje.
E olha que estamos falando de alguém que poderia ter se acomodado com o prestígio acadêmico. Bigarella, no entanto, foi além dos estudos de geologia. Ele foi pioneiro em algo que hoje parece óbvio: a necessidade de equilibrar progresso e conservação. Parece até clichê em tempos atuais, mas, lá na década de 70, quando o desenvolvimento a qualquer custo era o mantra dominante, defender o meio ambiente era quase uma atitude subversiva.
O Lançamento Póstumo
É interessante pensar que, mesmo após sua morte em 2016, aos 92 anos, Bigarella ainda continua a nos presentear com seu conhecimento. O quarto volume de sua obra sobre a origem das paisagens tropicais e subtropicais é prova disso. Essa série é uma das mais consultadas por estudantes e pesquisadores da área de Geociências. Ela não só fornece um panorama profundo sobre a geologia de regiões costeiras, restingas e sambaquis, como também traz uma visão de mundo que alia a ciência ao cuidado ambiental.
Ao ler suas obras, você sente que Bigarella enxergava o planeta de uma maneira muito mais holística, conectando os pontos entre o passado geológico e o futuro ecológico da Terra. O lançamento desse volume, especialmente na data que seria seu aniversário de 101 anos, é um tributo à sua vida, mas também uma chance para todos nós, leigos e especialistas, de nos reconectarmos com o planeta que ele tanto se dedicou a estudar e proteger.
As Comemorações do Centenário
O centenário de Bigarella não passou despercebido. Muito pelo contrário, várias ações ao longo do ano de 2023 fizeram questão de manter seu nome vivo. Uma das mais simbólicas foi o plantio do Bosque Bigarella na Reserva Natural do alpinista Waldemar Niclevicz. Acredito que não haveria forma melhor de homenageá-lo. Plantar árvores é, de certa forma, plantar o futuro. Além disso, espaços como o Jardim Geológico, inaugurado em parceria com a Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), são exemplos de como podemos perpetuar o legado de uma pessoa que tanto contribuiu para o entendimento e preservação do meio ambiente.
Outro marco foi a criação do Espaço dos Pioneiros das Geociências, localizado no prédio J.J. Bigarella, dentro do Centro Politécnico da UFPR. Esse tipo de homenagem transcende a simples lembrança de um nome. É um espaço que vai fomentar a pesquisa e o conhecimento, mantendo vivas as ideias e descobertas que Bigarella proporcionou ao longo de sua vida.
Quem Foi João José Bigarella?
Agora, se você ainda não conhece a história de vida desse homem, vale a pena dar uma olhada. João José Bigarella nasceu em Curitiba, no dia 23 de setembro de 1923. Inicialmente, sua paixão parecia ser outra: a Química. Ele chegou a iniciar seus estudos nessa área, mas, como tantas pessoas ao longo da vida, ele se deparou com algo que despertou ainda mais sua curiosidade e paixão: a Geologia.
Ele se formou em Engenharia Química pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e depois se tornou professor catedrático de Mineralogia e Geologia Econômica. Só que ele nunca se limitou ao papel de acadêmico. O curioso sobre Bigarella é que ele sempre buscava ir além. Ele se envolvia em expedições, realizava pesquisas intercontinentais e fazia questão de divulgar seus achados.
Um dos trabalhos mais impressionantes de Bigarella foi sua comprovação de que as rochas da Bacia Sedimentar do Paraná tinham a mesma composição geológica que as rochas encontradas no continente africano. Isso pode parecer algo trivial hoje, mas, na época, ajudou a fortalecer a teoria de que esses continentes já estiveram unidos, formando o supercontinente Gondwana.
A Relação Entre Ciência e Meio Ambiente
Algo que sempre me fascinou sobre Bigarella é como ele nunca enxergou a ciência de forma isolada. Ele sempre buscava conectar suas descobertas ao mundo real e à vida das pessoas. Seu interesse pela conservação do meio ambiente não era algo “moderno” ou “da moda”. Muito antes do termo “sustentabilidade” se tornar um tema amplamente discutido, Bigarella já defendia um modelo de desenvolvimento que levasse em conta o impacto ambiental. Ele foi um dos primeiros a falar sobre isso, algo que, na minha opinião, torna sua trajetória ainda mais impressionante.
Entre suas ações concretas, destaco a fundação da ADEA (Associação de Defesa e Educação Ambiental) e a FunaBi (Fundação João José Bigarella). Ambas nasceram da necessidade que ele enxergava de conscientizar as pessoas sobre a importância de preservar o meio ambiente. E quando falamos de Bigarella, não estamos falando apenas de um teórico, mas de alguém que colocou a mão na massa, que participou ativamente de movimentos e projetos que ajudaram a transformar a maneira como enxergamos o meio ambiente no Brasil.
O Que Podemos Aprender Com Bigarella?
Se eu tivesse que resumir o legado de João José Bigarella, diria que ele nos ensina três lições fundamentais:
- Ciência e responsabilidade ambiental andam juntas: Não podemos desassociar o desenvolvimento científico do cuidado com o planeta. Bigarella nos mostra que é possível avançar sem destruir.
- Ação local, impacto global: Suas ações em prol do meio ambiente no Paraná ressoam até hoje em várias partes do Brasil e do mundo. Ele foi um exemplo de como ações em nível local podem ter repercussões muito além das fronteiras.
- Educação é a chave para a mudança: Bigarella era, acima de tudo, um educador. Seu legado como professor e mentor de jovens cientistas é imenso, e sua obra ainda hoje é utilizada como referência em estudos geológicos e ambientais.
Uma Reflexão Final
Quando penso em Bigarella, não consigo deixar de refletir sobre o quanto o mundo mudou desde que ele iniciou sua jornada. A consciência ambiental que hoje é amplamente discutida teve seu alicerce lançado por pessoas como ele. Se você parar para pensar, não é exagero dizer que boa parte das políticas ambientais e dos avanços científicos nessa área no Brasil foram influenciados por seu trabalho.
Bigarella não era apenas um cientista. Ele era um visionário, alguém que enxergava além do seu tempo e que sabia que as escolhas que fazemos hoje determinam o futuro do planeta.
Portanto, o lançamento do quarto volume de sua obra no próximo dia 23 de setembro não é apenas um evento literário ou acadêmico. É uma oportunidade de todos nós, como sociedade, reconhecermos o trabalho de um homem que tanto fez para preservar e entender o mundo em que vivemos.