Poemas sobre rejeição, luto e equilíbrio marcam a estreia da escritora, que transforma dores e contradições em reflexão profunda e autodescoberta.
Em sua obra de estreia, Instruções de uma Equilibrista (Editora Patuá), a escritora e professora Talita Franceschini compartilha com o público sua sensibilidade única ao abordar temas universais como rejeição, luto e a busca incessante por equilíbrio. A coletânea, que traz poemas densos e íntimos, propõe uma reflexão sobre as emoções humanas mais profundas e contraditórias, convidando o leitor a explorar as dores e as conquistas que formam nossa jornada emocional. A obra conta ainda com um texto de orelha assinado pela escritora Lilian Sais, que oferece uma visão panorâmica sobre a proposta do livro.
Um Olhar Poético Sobre a Rejeição e o Luto
Os poemas de Instruções de uma Equilibrista nasceram de uma imersão profunda nas experiências vividas pela autora ao longo de quatro anos. Cada verso da obra reflete uma fase de seu processo de superação, marcada por rupturas e reconstruções. A própria autora compartilha um pouco sobre esse processo: “Escrevi, de forma sutil e quase imperceptível, sobre a rejeição que me atingia, como uma tentativa de materializar em palavras aquilo que me machucava de forma inconsciente.” A partir dessa vivência, Talita cria uma poesia que revela sua dor, convertendo-a em algo palpável e significativo, em uma tentativa de compreender o intangível.
Nascida em Descalvado, município do interior de São Paulo, Talita cresceu e construiu sua carreira na cidade de São Carlos, onde se dedicou ao campo cultural e educacional. Formada em Biblioteconomia pela Universidade de São Paulo (USP), a autora tem uma forte trajetória de mediação de leitura e incentivo à educação. Para ela, a escrita surge como uma forma de resistência emocional, sendo o refúgio onde pode transformar a dor em arte.
A Poesia como Ferramenta de Sobrevivência
No livro, Talita explora com maestria três temas centrais: rejeição, luto e equilíbrio. A rejeição, frequentemente presente nos relacionamentos interpessoais, aparece em versos que traduzem a dor do fim de uma relação. Ela descreve esses momentos com uma sensibilidade que alterna entre a tristeza e a beleza. Já o luto é abordado de maneira ampla, não apenas na perda de entes queridos, mas também no luto simbólico: o fim de sonhos, a quebra de ilusões e as transições nas fases da vida.
Neste sentido, a escrita de Talita é, antes de tudo, um exercício de sobrevivência emocional. Seus poemas se tornam a travessia de suas dores, e também um ponto de renascimento, permitindo-lhe acessar diferentes versões de si mesma. A autora se apropria de sua vulnerabilidade, transformando-a em força. Ela explica: “A vulnerabilidade não é fraqueza; é, muitas vezes, a base da nossa força.” Assim, sua obra não é só uma confissão pessoal, mas um convite para o leitor refletir sobre sua própria jornada de superação.
Por fim, o livro reflete sobre a busca incessante por equilíbrio, enquanto reconhece o inevitável desequilíbrio da vida. Talita descreve o esforço de permanecer de pé, mesmo diante das quedas, aceitando que, por vezes, essas quedas são fundamentais para a reinvenção. Essa relação com o desequilíbrio ganha uma profundidade maior ao abordar as dificuldades de ser mulher em um contexto que muitas vezes desconsidera ou invalida as emoções femininas.
O Diálogo com o Feminino e a Identidade
Em sua obra, Talita também se apropria das questões de gênero, memória e identidade. Seus poemas trazem à tona histórias de outras mulheres que influenciaram sua vida e a ajudaram a se reencontrar, formando uma rede de conexões e apoio que sustentam sua jornada. Ao recuperar essas histórias, Talita oferece um espaço de visibilidade para as vivências femininas, mostrando que a literatura pode ser uma forma de fortalecer e expandir a voz de todas as mulheres.
O Processo Criativo: Da Oficina à Publicação
O processo criativo de Instruções de uma Equilibrista foi moldado por sua participação em oficinas de escrita criativa e pela prática constante da escrita poética. Talita destaca que sua poesia foi se ajustando a uma estética mais econômica e condensada, com a intenção de capturar as emoções e momentos de maneira direta e impactante. Ela conta: “Optei por poemas curtos que condensam intensidades, como se cada palavra carregasse o peso de uma história inteira.”
Para Talita, a escrita não se limita a uma técnica literária, mas se configura como um meio de autodescoberta e sobrevivência. A autora revela que seus versos foram uma maneira de lidar com suas contradições internas, aceitando as partes de si mesma que, muitas vezes, se chocam. Instruções de uma Equilibrista é, portanto, mais do que uma obra literária: é um registro emocional da autora, que se permite olhar para suas versões mais contraditórias com honestidade e coragem.
A Trajetória de Talita Franceschini
A trajetória de Talita Franceschini é marcada por uma intensa dedicação à educação e à cultura. Ela é formada em Biblioteconomia e Ciência da Informação pela USP e, ao longo de sua carreira, atuou em diversos projetos voltados para a preservação do patrimônio histórico e a democratização da cultura. Entre suas iniciativas, destaca-se a coordenação do projeto Ampliação das Visitas Guiadas na Fazenda Pinhal, que tinha como objetivo ampliar o acesso ao patrimônio histórico da região de São Carlos (SP).
Além de sua atuação em projetos culturais, Talita sempre foi uma defensora da visibilidade feminina na literatura. Ela mediou o projeto Leia Mais Mulheres em Mogi das Cruzes (SP), que busca criar um espaço de troca entre leitoras e dar visibilidade a autoras. Durante a pandemia de Covid-19, Talita se reinventou como escritora, publicando duas crônicas na antologia Crônicas de ir, vir e permanecer (Editora Txai, 2022), o que marcou o início de sua trajetória literária. Esse movimento de autodescoberta resultou na publicação de Instruções de uma Equilibrista.
Além de sua atuação como bibliotecária e mediadora de leitura, Talita também ingressou na docência, formando-se em Pedagogia e, mais recentemente, completando licenciaturas em Letras-Português e Artes Visuais. Sua abordagem pedagógica é voltada para o estímulo à leitura e à escrita, com foco na literatura, na arte e no pensamento crítico. Ela acredita que essas ferramentas podem transformar a vida de seus alunos e abrir novas possibilidades de reflexão e ação no mundo.
A Literatura como Refúgio e Ferramenta de Transformação Social
Hoje, Talita continua a conciliar sua carreira docente com a escrita, movida pela convicção de que a literatura e a escrita são essenciais para a transformação social. Ela descreve a escrita como um refúgio, um espaço onde as contradições e os sentimentos se condensam, proporcionando-lhe a oportunidade de atravessar as adversidades da vida.
Em um de seus poemas, Instruções de uma Equilibrista, Talita oferece uma pequena amostra do que o leitor encontrará na obra:
“colagem”
dar corpo
aos restos espalhados
da outra de mim
expelida, fraturada
pela finitude
de um tempo bom
acolher esse corpo
refeito, marcado
por cicatrizes riscadas
em queloides lembranças
e movimentá-lo todos os dias
em direção ao possível
A coletânea se apresenta, portanto, como um convite à introspecção e à reinvenção pessoal, ressoando com leitores que se encontram em momentos de busca por equilíbrio e superação. Instruções de uma Equilibrista é um livro de poesia que resgata as complexidades da experiência humana e que, por meio da palavra, nos leva a refletir sobre nossas próprias trajetórias de dor, luto e reinvenção.