O Brasil, com toda a sua vastidão e diversidade, é um caldeirão de culturas, histórias e tradições que se entrelaçam em cada canto do país. E poucos eventos conseguem capturar essa riqueza de forma tão autêntica quanto o Festival Caju de Leitores. Este festival, que acontece nos dias 3 e 4 de setembro na Oca Tururim, localizada na Aldeia Xandó, em Caraíva, Porto Seguro (BA), é uma verdadeira celebração dos territórios indígenas brasileiros, trazendo à tona o tema “Territórios – O Brasil é Terra Indígena”.
Neste ano, o festival reúne 21 convidados especiais, cada um com uma bagagem única de conhecimentos e experiências para compartilhar. O evento, que é gratuito, se destaca não apenas pela qualidade das discussões, mas também pela diversidade de suas atividades. Infelizmente, um dos convidados mais aguardados, o escritor e ativista Ailton Krenak, não poderá comparecer devido a problemas de saúde. Apesar dessa ausência sentida, a programação promete ser intensa e repleta de momentos inesquecíveis.
Uma Manhã de Conexão com as Raízes Indígenas
A cada edição, o Festival Caju de Leitores se reinventa e, desta vez, não é diferente. Na manhã do primeiro dia, a programação começa com uma energia especial, voltada para o lúdico e para a reconexão com a nossa criança interior. Sempre acreditei que as manhãs são momentos propícios para nos conectarmos com nossas origens e com a terra que nos sustenta. E é exatamente essa proposta que Aline Kayapó e Tucunã Pataxó trazem ao evento. Por meio da dança e dos grafismos, eles compartilharão suas histórias, tradições e todo o simbolismo de sua cultura.
Eu particularmente acho fascinante como a arte, seja ela visual, sonora ou corporal, tem o poder de transcender barreiras culturais e nos tocar de maneiras inesperadas. Nesse sentido, a presença desses artistas promete ser um dos pontos altos do festival, proporcionando ao público uma experiência que vai além do simples entretenimento — é uma vivência profunda e transformadora.
Tradição e Espiritualidade: Oração e Awê Pataxó
Outro aspecto que considero de extrema importância nos eventos culturais é a preservação e valorização das tradições espirituais. No Caju de Leitores, isso será materializado pela Oração e Awê Pataxó, promovidos pelo Centro Cultural Xandó. Esse momento, que marcará o início das atividades, não é apenas uma formalidade, mas um convite à introspecção e à conexão com o sagrado. Para os povos indígenas, o espiritual está intrinsecamente ligado ao cotidiano e à natureza, e essa cerimônia certamente trará uma energia especial para todos os presentes.
A Participação Ativa dos Jovens Pataxó
O que mais me empolga no Festival Caju de Leitores deste ano é a participação ativa dos jovens da Escola Indígena Pataxó Xandó. Sob a orientação da diretora e co-anfitriã Nargela Carvalho, os alunos prepararam uma série de apresentações culturais que vão desde o teatro até a leitura de redações e atividades relacionadas ao meio ambiente e à cultura tradicional. Eu vejo isso como uma oportunidade valiosa para que esses jovens possam mostrar ao mundo o valor de suas raízes e, ao mesmo tempo, fortalecer sua identidade.
A educação é, sem dúvida, uma das ferramentas mais poderosas para a preservação cultural. E ver uma escola indígena tão engajada em um evento desse porte é motivo de orgulho. Acredito que iniciativas como essa têm o potencial de inspirar outras comunidades a valorizarem ainda mais suas tradições e a passarem adiante esses conhecimentos às futuras gerações.
Mesas de Conversa: O Corpo como Território
À tarde, a partir das 15h30 do dia 3, o festival abrirá espaço para uma série de mesas de conversa, começando com o tema “O Corpo como Expressão e Veículo de Identidade”. Para mim, essa discussão é essencial, especialmente em tempos em que as questões de identidade e pertencimento são tão debatidas. O corpo, para muitos povos indígenas, é visto como um território sagrado, um espaço de resistência e afirmação.
Neste debate, Juerana Pataxó, Janice Cardoso e Txatxu Pataxó irão explorar como o corpo se torna uma expressão da identidade indígena, algo que considero extremamente relevante no contexto atual. Afinal, em uma sociedade que muitas vezes tenta homogeneizar tudo, é fundamental lembrar que a diversidade é o que nos enriquece e fortalece como nação.
A Despedida Inesperada de Ailton Krenak
É impossível falar sobre o Festival Caju de Leitores sem mencionar a ausência de Ailton Krenak, um dos maiores pensadores contemporâneos sobre questões indígenas no Brasil. Quando soube que ele não poderia comparecer ao evento devido a um problema dentário, senti uma pontada de decepção. Afinal, ele é uma voz poderosa e sua presença teria adicionado um peso ainda maior às discussões. No entanto, como bem colocou a organizadora do evento, Joanna Savaglia, a saúde de Krenak deve ser priorizada. Nós, que admiramos tanto seu trabalho, só podemos desejar uma rápida recuperação.
Mesmo sem a presença de Krenak, a mesa “Conceito de Território” promete ser um dos momentos mais profundos do festival. Com a participação do historiador e professor Edson Kayapó e das lideranças femininas Tapy Pataxó e Ahnã Pataxó, a discussão girará em torno do modo de vida indígena e de como ele pode ser uma resposta poderosa à crise climática que enfrentamos. Eu, particularmente, estou ansioso para ouvir o que essas lideranças têm a dizer, pois acredito que as soluções para muitos dos nossos problemas globais podem estar enraizadas no conhecimento ancestral indígena.
A Magia das Histórias e a Sabedoria dos Pajés
Acredito que uma das maiores riquezas dos povos indígenas é sua tradição oral, que atravessa gerações e mantém viva a memória de seus ancestrais. No segundo dia do festival, essa riqueza será celebrada com uma manhã dedicada às histórias contadas por Auritha Tabajara e Lucia Tucuju. Essas narrativas, que têm encantado e inspirado gerações, são verdadeiras pérolas de sabedoria e refletem a profundidade da cosmovisão indígena.
Além disso, os pajés Ouriço e Akitxawã prometem capturar a imaginação dos jovens com suas histórias sobre os seres encantados que fazem parte do cotidiano tradicional do povo Pataxó. Eu acredito que esses momentos serão inesquecíveis para todos que tiverem a oportunidade de participar, pois poucas coisas são tão poderosas quanto uma boa história bem contada.
A Força das Mídias e a Preservação Cultural
O segundo dia do festival também trará duas mesas de debate imperdíveis. A primeira delas, com o tema “Território Digital”, contará com a presença de Tukumã Pataxó, Samela Sateré Mawê, Daniel Pataxó e Túlio Foi Pescar. Eles discutirão a influência das mídias na disseminação de ideias e ações indígenas. Como alguém que vive no mundo digital, sei bem o poder que as mídias sociais têm para amplificar vozes que antes eram silenciadas. E no caso das causas indígenas, essa amplificação é mais do que necessária — é vital.
Já a última mesa abordará a importância da língua Patxôhã como instrumento de preservação cultural. Com a participação do músico Akurinã Pataxó, do Pajé Niomaktxi, da professora Iane e da liderança Tohõ Pataxó, essa discussão é um lembrete de que a língua é muito mais do que um simples meio de comunicação — ela é a essência de um povo, carregando em si toda a sua história, sua identidade e sua visão de mundo. Eu vejo esse debate como uma oportunidade para todos nós refletirmos sobre a importância de preservar e valorizar as línguas indígenas, que são, em muitos casos, ameaçadas de extinção.
Entre uma mesa e outra, o festival ainda reserva um momento especial com uma apresentação musical de Akurinã Pataxó. A música, assim como a língua, é um poderoso meio de resistência e preservação cultural, e tenho certeza de que essa performance será um dos momentos mais emocionantes do evento.
Como Chegar ao Festival
Se você, assim como eu, ficou com vontade de participar desse evento incrível, vale a pena se planejar para a viagem. A Aldeia Indígena Xandó está localizada no distrito de Caraíva, a 70 km de Porto Seguro. Para quem vem de outras regiões, a forma mais prática de chegar é através de Porto Seguro, seja de avião ou ônibus. A partir daí, há várias opções para chegar a Caraíva, como contratar um serviço de transfer, alugar um carro ou pegar um ônibus que o levará ao porto das canoas para atravessar o Rio Caraíva.
Eu, pessoalmente, acho que a travessia de canoa é uma experiência que já vale por si só. Ela acontece a cada 10 minutos e custa apenas R$10 por trecho/pessoa. Além disso, é possível contribuir com o ecoticket, uma taxa voluntária de R$20, que ajuda a financiar melhorias na região — uma iniciativa que eu considero extremamente válida.
Chegando em Caraíva, a Oca Tururim, onde acontecerá o festival, fica bem próxima e pode ser acessada a pé ou de buggy, com placas indicativas que guiarão os visitantes até o local. A localização do festival, em plena aldeia, já dá o tom de toda a experiência — imersiva, autêntica e profundamente conectada com a terra e com a cultura indígena.
Conclusão
O Festival Caju de Leitores é muito mais do que um evento literário. Ele é uma verdadeira imersão na cultura indígena, um espaço de reflexão e aprendizado sobre o que significa viver em um território tão diverso e rico como o Brasil. Mesmo com a ausência de Ailton Krenak, a programação está repleta de momentos que prometem tocar fundo no coração de todos os participantes.
Para quem deseja se reconectar com as raízes deste país, aprender mais sobre a sabedoria indígena e refletir sobre as questões urgentes que nos cercam, o Caju de Leitores é um evento imperdível. Eu, com certeza, estarei acompanhando cada detalhe e mal posso esperar para viver essa experiência única.
Se você também se interessou, não deixe de acessar o site www.cajuleitores.com.br para mais informações e seguir o Instagram @cajuleitores para ficar por dentro de todas as novidades. Nos vemos lá!