
Subvertendo a linguagem, Bárbara Mançanares explora o poder da palavra e da natureza em sua nova obra
A poeta e bordadeira Bárbara Mançanares lança sua terceira obra, A voz incauta das feras (Editora Patuá, 2024), um livro que convida o leitor a explorar um território poético onde as palavras escapam ao entendimento imediato. A autora, premiada pelo Prêmio Nacional Mozart Pereira Soares de Literatura, apresenta um trabalho que transcende os limites da linguagem convencional, evocando imagens oníricas e desafiadoras. Com prefácio da poeta Aline Aimée e posfácio da psicanalista Carolina Hidalgo Castelani, o livro traz um olhar inovador sobre o papel da poesia na criação e na experiência humana.
A linguagem como protagonista
Diferente da tradição que busca uma mensagem linear e objetiva, A voz incauta das feras transforma a palavra em algo vivo. “As palavras são como seres naturais, elas agem e criam”, afirma Bárbara. Inspirada por conceitos da escritora argentina María Negroni, a autora utiliza a linguagem como uma forma de subversão, desconstruindo sua suposta utilidade e trazendo à tona a densidade das imagens e a persistência do enigma.
No posfácio, Castelani compara a experiência de leitura a uma jornada selvagem. “É como uma oração construída sílaba atrás de sílaba. A natureza aqui compõe um alfabeto que transcende o tempo”, escreve. Essa visão é ecoada por Aline Aimée, que descreve o trabalho da autora como um “bordado poético”, onde palavras são perfuradas, coloridas e retrabalhadas em busca de uma expressão única.
Entre a terra e o sonho
Bárbara cresceu no sul de Minas Gerais, cercada pela terra, pelo verde e pela quietude do isolamento rural. Essa vivência é uma fonte constante de inspiração em sua obra. “Percebi que essas palavras e imagens da infância criaram um território poético no qual mergulho”, reflete a autora. Esse território é um dos pilares de sua criação, onde paisagens naturais encontram a subjetividade dos sonhos.
Além de buscar a natureza como ponto de partida, Bárbara também experimentou novas ferramentas criativas durante o processo de escrita. Um exemplo é a escrita automática, técnica utilizada por escritores surrealistas, que permitiu à autora explorar o inconsciente e trazer uma nova camada de profundidade ao texto.
Influências literárias e o poder da leitura
Desde jovem, Bárbara encontrou na literatura um canal de expressão e transformação. Suas primeiras referências vieram de Adélia Prado e Clarice Lispector, que despertaram nela “o sem-nome, aquilo que nos toca e nos escapa em uma leitura”. Posteriormente, autores como García Márquez, Manoel de Barros, Alejandra Pizarnik e Guimarães Rosa ajudaram a moldar sua voz poética.
Para A voz incauta das feras, as influências mais diretas foram Alejandra Pizarnik, Herberto Helder e Ana Paula Tavares. Esses escritores, segundo a poeta, ajudaram-na a construir as bases de um livro que prioriza a metáfora e o impacto das imagens poéticas, ao invés de narrativas claras e objetivas.
“Como lidamos com aquilo que nos escapa?”
A proposta central do livro, segundo Bárbara, é um convite ao mistério. “Meu livro convida não a uma resposta sobre algo, mas a adentrar o enigma”, explica. Essa ideia se reflete na forma como a obra é estruturada, priorizando versos densos e imagens evocativas que demandam uma leitura atenta e aberta.
Essa abordagem, por vezes desafiadora, é parte de um movimento que valoriza a experiência estética e emocional acima da compreensão racional. Como descreve Aimée, “a poeta mistura paisagens, sonhos e a própria palavra, criando um mosaico que desafia e instiga o leitor”.
Uma trajetória entre palavras e bordados
Nascida em Minas Gerais e atualmente vivendo no sul da Bahia, Bárbara é uma artista múltipla. Além de poeta, ela também se dedica ao bordado, uma prática que, curiosamente, tem paralelos com sua escrita. “Bordar é, de certa forma, um processo semelhante ao de escrever: perfurar, desfazer, refazer e criar”, afirma.
Sua trajetória literária começou cedo, incentivada por professoras que reconheceram seu talento ainda no Ensino Médio. Desde então, a poeta já publicou outras duas obras: Maio (Quintal Edições, 2018) e Cartografias do corpo que canta (Editora Patuá, 2021). Este último foi premiado em 2023, consolidando Bárbara como uma das vozes mais promissoras da poesia brasileira contemporânea.
Novos horizontes literários
Além de A voz incauta das feras, Bárbara está trabalhando em dois novos projetos. Em 2025, lançará outro livro de poemas pela Editora Toma aí um Poema (TAUP). Simultaneamente, escreve seu primeiro romance, com o apoio do edital Rumos do Itaú Cultural. “Cada novo projeto é uma oportunidade de experimentar e explorar outros territórios criativos”, revela.
Um convite ao leitor
Com A voz incauta das feras, Bárbara Mançanares reafirma o poder da poesia como um campo aberto à exploração e ao desconhecido. Seu trabalho não apenas desafia as convenções da linguagem, mas também nos lembra que a arte pode ser um lugar de mistério e transformação.
Para leitores em busca de uma experiência poética instigante, o livro é uma oportunidade de adentrar a selva indômita de palavras e sonhos que Bárbara construiu com tanta maestria. Como ela mesma reflete: “Como lidamos com aquilo que nos escapa?”. Essa é uma pergunta que, certamente, ecoará em cada página de sua obra.