
Uma visão sustentável para a gestão da água
Em uma importante iniciativa para promover o uso múltiplo dos recursos hídricos no Brasil, o Ministério de Minas e Energia (MME) e o Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA) firmaram, no dia 20 de maio de 2024, um acordo de cooperação técnica. A parceria busca regulamentar e fomentar o cultivo sustentável de pescado em reservatórios de usinas hidrelétricas, sem comprometer a segurança energética nacional.
A cooperação e seus objetivos
O acordo é uma resposta ao desafio de integrar a produção energética com outros usos fundamentais da água, como a aquicultura, destacando-se pela potencial geração de renda, alimentação e oportunidades para comunidades ribeirinhas.
De acordo com o Ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, o projeto reflete o papel do setor energético como motor do desenvolvimento sustentável. “Estamos falando de fonte de renda, de alimentação, de mais oportunidades para a população”, afirmou o ministro.
A parceria estabelece como prioridades o aprimoramento do arcabouço regulatório, a preservação da operação segura dos reservatórios e a realização de eventos nacionais para promover a piscicultura e a gestão integrada dos recursos hídricos.
Água além da energia elétrica: uma perspectiva histórica
Embora o Brasil já tenha legislações que incentivam o uso social da água, o cumprimento integral dessas normas permanece um desafio. O Código de Águas de 1934, instituído pelo então presidente Getúlio Vargas, destaca a obrigatoriedade de aproveitar os recursos hídricos de forma a beneficiar a sociedade.
Conforme o artigo 143 do Código, os aproveitamentos de energia hidráulica devem atender a diversas exigências, incluindo:
- Alimentação e necessidades das populações ribeirinhas;
- Salubridade pública;
- Navegação e irrigação;
- Conservação e livre circulação do peixe.
Esse marco legal já previa a integração entre produção de energia e outras atividades essenciais, como a piscicultura. Contudo, conforme observado pelo diretor-presidente da ENERCONS, Ivo Pugnaloni, há uma lacuna no cumprimento dessas obrigações.
“A água não pode ter apenas uma função”, afirma especialista
Pugnaloni, ex-diretor da Companhia Paranaense de Energia (COPEL), destacou a importância de valorizar os múltiplos usos da água em declarações recentes:
“Fazem 14 anos que eu defendo esta ideia. A água não pode ter apenas a utilidade de gerar energia elétrica, quando pode servir para tanta coisa como produção de pescado, irrigação com água de superfície e não subterrânea, navegação fluvial, transporte de cargas e tantas outras utilidades como lazer, recreação e o convívio social.”
Ele também ressaltou que o potencial hidrelétrico concedido a geradores de energia não deve ser um limitador para outros usos. “Se a terra deve ter função social, imagine as águas!”, afirmou.
Impactos sociais e ambientais
A iniciativa entre o MME e o MPA tem o potencial de trazer benefícios diretos para comunidades que vivem próximas aos reservatórios. Entre as vantagens estão a geração de empregos, a diversificação da economia local e o fortalecimento da segurança alimentar por meio do aumento da oferta de pescado.
Além disso, a adoção de práticas de aquicultura sustentável contribui para a redução de impactos ambientais, promovendo a utilização eficiente de recursos e diminuindo a pressão sobre fontes de água subterrâneas.
Próximos passos para a regulamentação
O plano de ação da cooperação interministerial prevê a elaboração de material técnico e instrutivo sobre piscicultura, além de capacitações para integrar as comunidades ribeirinhas e os agentes do setor elétrico e da aquicultura.
Uma das metas é incentivar o uso de fontes de energia renovável na piscicultura, reduzindo custos operacionais e ampliando o potencial produtivo dessas áreas. A parceria também promoverá eventos para engajar stakeholders e discutir as melhores práticas para uma gestão eficiente e sustentável dos reservatórios.
Avanços que não podem ficar no papel
Para especialistas e lideranças do setor, como Ivo Pugnaloni, a iniciativa do MME e do MPA é promissora, mas precisa ir além do “fomento”. Segundo ele, ações concretas e obrigatórias são necessárias para garantir que os reservatórios sejam utilizados de maneira eficaz e que seus benefícios sejam amplamente compartilhados.
“O Brasil surpreende a gente todos os dias, de vez em quando com excelentes iniciativas como essa. Que não pode ficar só no ‘fomento’, palavras que lembram ‘fome’, mas virar algo corrente, quase obrigatório”, concluiu Pugnaloni.
Referências legais e marcos regulatórios
A legislação atual, como o artigo 42 do Código de Águas, prevê que a exploração de recursos naturais, incluindo caça e pesca, deve ser regulamentada por leis específicas, com espaço para complementações estaduais. No entanto, a aplicação prática dessa legislação exige maior articulação entre os órgãos responsáveis.
Para acessar o texto completo do Código de Águas, clique aqui.
Conclusão
O acordo entre o MME e o MPA marca um avanço significativo na integração de políticas públicas que promovem o uso sustentável da água. Contudo, para que a iniciativa atinja todo o seu potencial, será fundamental implementar ações concretas que beneficiem tanto a geração de energia quanto as comunidades e o meio ambiente.
A água é um recurso estratégico que pode e deve ser utilizado de maneira integrada, gerando benefícios sociais, econômicos e ambientais. A cooperação técnica é apenas o primeiro passo de um caminho que promete transformar o uso dos reservatórios hidrelétricos no Brasil.