A Magia dos Seres Encantados no Festival Caju de Leitores

Leo Barreto
Os participantes foram convidados a vivenciar a literatura índígena

Um Mergulho na Cultura Ancestral

O Festival Caju de Leitores é mais do que um simples evento literário; é um verdadeiro mergulho na rica tapeçaria cultural dos povos indígenas do Brasil. Desde o momento em que pisei na Oca Tururim, fui envolvido por uma atmosfera vibrante e cheia de energia positiva. Começou na terça-feira, 3 de setembro, e desde então, cada instante do festival tem sido uma jornada fascinante pelo universo dos seres encantados e pelas tradições que moldam a identidade de tantos povos. O festival abriu as portas com a presença marcante de Aline Kayapó, que nos transportou para o mundo mágico da Curupira e da Matinta Pereira.

Sabe, sempre me fascinei pelas lendas indígenas, mas ouvir essas histórias contadas ao vivo, com tanta emoção e autenticidade, é uma experiência totalmente diferente. Aline Kayapó conseguiu capturar a atenção não apenas das crianças, mas também de todos os adultos que estavam presentes. Eu mesmo me senti como uma criança novamente, perdido na magia dessas narrativas tão ricas. E antes mesmo de nos aprofundarmos nessas histórias, fomos agraciados com uma belíssima oração Pataxó pelo grupo cultural Xandó, seguida por um awê de boas-vindas que fez com que todos se sentissem acolhidos e conectados.

O Envolvimento de Todos: Uma Experiência Coletiva

Fico impressionado com a forma como o Festival Caju de Leitores conseguiu atrair e envolver pessoas de todas as idades e origens. A professora Chris Fernandes e seu filho de 9 anos, Joca, foram apenas dois dos muitos participantes que lotaram a Oca Tururim naquele primeiro dia. Chris comentou comigo que esta era a primeira vez que ela e Joca participavam do festival, e seu entusiasmo era evidente. “É incrível ver como as crianças falam sobre seus ancestrais e os encantados”, ela disse, “Não esperava essa profundidade nas respostas dos pequenos. Participar e vivenciar o Caju é uma experiência enriquecedora para todos nós.”

E Joca, com os olhos brilhando de emoção, ficou encantado com o grafismo feito por Tucunã Pataxó em seu braço. Ele me disse que mal podia esperar para participar dos próximos eventos do Caju. E, sinceramente, eu não o culpo – depois de uma experiência dessas, quem não ficaria ansioso para mais?

A Arte como Expressão de Identidade

Falando em grafismos, uma das partes mais impactantes do festival para mim foi conhecer Tucunã Pataxó, um artista no cenário da tatuagem e da arte ancestral. Ele compartilhou sua trajetória de vida e seu amor pelo grafismo indígena de uma forma que realmente tocou meu coração. Tucunã não vê a arte apenas como um meio de expressão, mas como uma forma de transmitir energias e histórias que carregam a alma de seu povo.

“Para criar meus grafismos, busco um momento de concentração. Faço uma cerimônia com minhas medicinas e coloco uma música suave”, ele explicou. “Prefiro trabalhar quando estou em um estado de felicidade e tudo está fluindo.” Confesso que essa visão da arte como algo tão profundo, tão intrinsecamente ligado ao bem-estar e ao estado emocional do artista, ressoou muito comigo. A ideia de que cada obra carrega uma energia única e que essa energia deve ser positiva é algo que acredito que todos nós podemos levar para nossas vidas, independentemente de sermos artistas ou não.

Literatura e Identidade: Um Diálogo com a Juventude

Outra experiência que me marcou profundamente foi o encontro das escritoras Auritha Tabajara e Ahnã Pataxó com os adolescentes da Escola Indígena de Barra Velha. Ver como essas jovens mentes se abriram para discussões sobre literatura e identidade foi inspirador. Auritha compartilhou um pouco de sua história de vida e recitou seu poema ‘O Grão’. Ver a reação dos jovens, especialmente de Raiuire Braz, de 16 anos, foi emocionante. Ele me contou que o poema o tocou profundamente e que esse tipo de sabedoria é algo que ele leva para sua vida. “Achei bem importante para a nossa sabedoria, para aprender mais do que a gente sabe e para carregar o que os nossos ancestrais conseguiram construir pra gente”, disse Raiuire.

Esse diálogo sobre literatura e identidade é crucial, especialmente em um momento em que tantos jovens enfrentam crises de identidade e se sentem desconectados de suas raízes. Ver essas autoras, que são tão próximas de suas próprias histórias e de suas culturas, servindo como exemplo e inspiração para a nova geração é algo que enche meu coração de esperança.

Corpo como Território de Identidade

Mas se tem uma discussão que realmente me fez refletir foi a mesa de debate ‘Território de Identidade’, onde Txatxu Pataxó, Janice Cardoso e Juerana Pataxó discutiram o Corpo como expressão e território de identidade. Para mim, essa conversa trouxe à tona a importância de entender que nosso corpo não é apenas um invólucro, mas um território cheio de significados, histórias e lutas.

Juerana Pataxó, uma figura importante na Aldeia Boca da Mata, nos lembrou da luta constante do povo Pataxó pela preservação de seu território. Ela falou com tanta paixão sobre a identidade Pataxó, que é o que mantém as aldeias unidas e preserva sua cultura e tradições. “Um povo sem cultura não é nada”, disse ela, e isso ficou ecoando na minha mente.

Txatxu, por sua vez, explicou a simbologia por trás dos grafismos Pataxó. O vermelho, por exemplo, simboliza as lutas e a proteção do povo, enquanto o preto é utilizado em sinal de luto, especialmente em memória de Galdino Pataxó HãHãHãe, que foi queimado vivo. Cada cor, cada desenho, carrega um peso, uma história que precisa ser respeitada e preservada.

Caraíva e a Perda de Identidade

Janice Cardoso trouxe um ponto crucial ao debate, que é a relação entre identidade e território. Ela compartilhou sua preocupação com a perda de identidade em Caraíva, um lugar que tem uma profunda conexão com a história de seu povo, mas que, com o tempo, foi perdendo suas raízes devido à gentrificação. “Foi ouvindo os mais velhos que compreendi minha própria identidade”, disse Janice. E como isso ressoou em mim! Às vezes, é preciso olhar para trás, para nossas raízes, para entender quem realmente somos e o que precisamos proteger.

Janice falou com uma clareza e uma força que me deixaram com um nó na garganta. “Meu pai me incumbiu da missão de defender nosso território, e tenho plena consciência de que o que prejudica Caraíva também afeta Barra Velha, Xandó e vice-versa”, ela enfatizou. É uma responsabilidade enorme que ela carrega, e fiquei admirado com sua determinação em lutar por sua terra, sua cultura e sua gente.

Encerrando com Esperança

O Festival Caju de Leitores não é apenas um evento cultural; é uma celebração da vida, da resistência e da identidade dos povos indígenas do Brasil. É um lembrete de que, em um mundo onde tantas culturas estão ameaçadas, é essencial preservar e valorizar nossas raízes. Cada história contada, cada grafismo desenhado, cada poema recitado é uma declaração de que essas culturas estão vivas, pulsando e prontas para resistir.

Eu saí do festival com uma sensação renovada de esperança e um profundo respeito por essas tradições. Mais do que isso, saí com a convicção de que todos nós, independentemente de nossas origens, temos um papel a desempenhar na preservação dessas histórias e identidades. E que maravilha poder fazer parte disso, nem que seja apenas como ouvinte e espectador.

O Festival Caju de Leitores, promovido pela Savá Cultural e patrocinado pela Lei Rouanet, Ministério da Cultura, é um evento gratuito e aberto a todos. Se você, assim como eu, sente que há muito mais a aprender e a vivenciar sobre a rica cultura indígena do Brasil, não perca a oportunidade de participar. Para mais informações e a programação completa, acesse o site www.cajuleitores.com.br ou siga o Instagram @cajuleitores (https://www.instagram.com/cajuleitores).

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